Desde Criança A Vida Me Ensinou A Ser Forte

Desde criança a vida me ensinou a ser forte

Dez anos de idade e sem poder contar com a sorte

Senti a mão da mulher branca no meu peito

Ela dizia: “Quem você pensa que é negrinha?”

“Perdeu o respeito?”

 Num gesto brusco indicando: Pare!

A mulher continuou o dispare:

“Daí para frente você não vai mais”

“Só as crianças brancas podem entrar”

 Naquela ocasião, lembro-me bem

Era uma excursão escolar

O nome da mulher?

Cleuza Nogueira Araújo

A professora do gesto absurdo

 Minha mente de criança

Assimilou o gesto de Cleuza

Da pior forma possível

Entendi com aquele gesto

Qual o meu limite para a vida

Se for para ir mais um pouquinho

Entrada proibida

 Cresci atenta ao limite

Daqui eu não posso passar

As mãos de Cleusa no meu peito

Fez-me entender meu lugar

Aos 13 anos de idade fui trabalhar

Pai peão, mãe dona de casa

Oito filhos para cuidar

Pajear crianças brancas

Era o único jeito de a minha família eu ajudar

 Meus estudos, meus sonhos  

E aquele vestido azul com laço

Estavam do lado de lá da linha

Fora do meu alcance

Em outro espaço

Foi aos 10 anos de idade

Que aprendi com uma professora

Que minha vida seria sempre do lado de cá

Da fronteira

Levando porrada na trincheira

 Aos  15 anos me casei

Fui promovida de babá

A esposa e empregada doméstica

Sempre sabendo meu lugar

Por que aos 10 anos

Aprendi aonde posso ir

E onde posso entrar

 E eu entrei na vida do avesso,

Meu apelido é “Dadá”

A única coisa que me disseram

Quando vi ao mundo foi:

“A vida pra nossa gente é dura

Você vai ter que se virar”

Eu me virei do jeito que sabia

Doei a minha vida

A quem não podia

Sequer me enxergar

 Dadá vêm de da-da, doa-da

Investi a minha vida à doação

Doei meu sorriso

Doei meus sonhos

Doei meu tempo

E até meu leite

 Servi contente

Para manter os dentes

Àqueles de olhos quentes

De autoridade em chamas

Atentos aos meus passos:

“Dadá, não limpou os meus sapatos?”

“Hoje você não leva as sobras do jantar”

  A chama da vida

Que havia no meu peito,

Congelou aos dez anos de idade

Quando Cleusa colocou a mão

Naquele corpo pequenino,

E com um gesto simples e castrador

Ensinou-me meu lugar no mundo

 Entendi que nessa vida

Seria impossível realizar

Meus desejos mais simples

E profundos

 Hoje, aos 75

E uma vida inteira de doação

Ainda posso sentir aquela mão

Sobre o meu peito

A inocência de acreditar

Que aquela excursão seria

O dia mais perfeito

Ainda arde e queima

 Recordo-me de mamãe

Sempre muito caprichosa

Dizer orgulhosa:

“Lavei e quarei o seu uniforme,

Mais tarde vou lá na Fatinha

Vê se ela me empresta

Um pedaço de sabonete

Amanhã você vai cheirosa

Para escola, que é pra professora

Não botar defeito”

 Mamãe de quebra

Assou-me um bolo

Em uma lata de sardinha

Mal sabia ela

Que de nada ia adiantar

Sua filha alimentada e

Limpinha

Se aquele não era o meu lugar

 Na cadeira que descanso agora,

Balançando para frente e para trás

Te conto olhando nos olhos

Minha história tão mordaz

 Leva menina,

Leva essas histórias para o mundo

A voz que tu ouve no coração

É a voz de uma legião

De homens e mulheres humilhados

Esperando cura e alivio

Nas palavras de corte e veludo

De uma geração de iluminados

Conscientes do passado e do legado

Geração que entende a importância

De reverenciar seus antepassados

E garantir que nossa história seja contada

Que a justiça seja feita

Mesmo que simbólica

Mesmo que imperfeita

É assim que é a vida

É assim que é a história

Promessa de continuidade

Reverência à memória

Daqueles que sonharam

Suas vidas com mais dignidade

Aline Rafaela Lelis 

Escrito em 02 de maio de 2019

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Aline Rafaela Lelis

Sossega, Coração!

Sossega, coração!

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ALLENDE, Isabel. Amor. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2013. p 106.

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